“O que é essa coisa estranha chamada amor? Todos falam sobre ele e escrevem a seu respeito; há poemas românticos, quadros e tudo o mais, o sexo e toda a confusão concomitante. E eu pergunto se tenho isso a que se dá o nome de amor, se existe amor.” (Krishnamurti)
O diálogo que se segue é um
trecho de uma das muitas palestras que Krishnamurti, reconhecido mestre
indiano, fez ao redor do mundo. Este trecho foi retirado do livro, Sobre o amor e a solidão, que aborda de maneira
profunda e filosófica questões inerentes à condição humana, tais como: Haverá
um caminho, ou o que devo fazer para me libertar do apego? Será que eu não me
basto? Será que
sou solitário, e estou fugindo dessa sensação de extraordinário isolamento por
meio do apego a outra pessoa? Porque sou solitário?
Se te interessa, respire fundo, esteja na
leitura, abre o coração e sinta o enorme prazer de ouvir um homem sábio.
Namastê!
Brockwood Park,
30 de Agosto de 1977
(...)
Questionador: Eu fico imaginando,
senhor, o que será o amor.
Krishnamurti: Por favor, meu
senhor, estou lhe perguntando muito respeitosamente se o senhor ama alguma
pessoa. O senhor talvez ame o seu cão, mas o cão é seu escravo. Afora animais,
edifícios, livros, poesias, bem como o amor ao país, o senhor ama alguém? Isso
significa não exigir nada em troca, não pedir nada da pessoa a quem se ama, não
depender em nada dessa pessoa. Porque, quando se é dependente, o medo, o ciúme,
a ansiedade, o ódio e a raiva começam a aparecer. Se vocês estão apegados a
alguém, isso é amor? Descubram! E se tudo isso não é amor – só estou
perguntando, não estou dizendo que é ou não é -, como podem vocês ter
compaixão? Estamos pedindo algo que é muito mais do que o amor quando nem
sequer temos amor comum por outro ser humano.
Questionador: Como descobrir esse
amor?
K: Eu não quero
descobrir esse amor. Tudo o que quero é eliminar aquilo que não é amor, ficar
livre do ciúme, do apego.
Q: Isso significa que
não deveríamos ter nenhuma fragmentação.
K: Isso meu caro, é
apenas teoria. Descubra se ama alguém. Como pode amar, se vive preocupado
consigo mesmo, com seus problemas, suas ambições, seu desejo de sucesso, seu
desejo de tantas coisas, sua atitude de se colocar em primeiro lugar, relegando
o outro ao segundo? Ou pondo o outro em primeiro lugar e o senhor em segundo, o
que é a mesma coisa.
Fizemos muitas perguntas. Podemos
sentar juntos e mergulhar na questão de se posso ser livre do apego,
compreendendo, mesmo verbalmente, que o amor não pode existir quando há ciúme
ou apego? Será que vou dialogar comigo mesmo, e vocês vão apenas ouvir?
Percebo, ouvindo isso, que não
amo. Isso é um fato. Não vou enganar a mim mesmo. Não vou fingir para minha
mulher que a amo – ou para outra mulher, uma moça ou rapaz. Ora, em primeiro
lugar, não sei o que é o amor. Mas sem dúvida sei que sou ciumento, que tenho
um terrível apego a alguém e que, nesse apego, há medo, há ciúme, há ansiedade,
há um sentido de dependência. Não gosto de depender, mas dependo porque me
sinto solitário e porque sou maltratado pela sociedade, no escritório, na
fábrica, e, quando chego em casa, quero ser confortado, ter companhia, fugir de
mim mesmo. Por isso sou dependente dessa pessoa, apegado a ela. Ora, estou
perguntando a mim mesmo como me libertar desse apego, sem saber o que é o amor.
Não vou fingir que tenho o amor de Deus, o amor de Jesus, o amor de Krishna;
jogo fora todo esse absurdo. Como proceder para me libertar desse apego? Estou
tomando isso apenas como um exemplo.
Não vou fugir disso, certo? Não
sei o que vai ser minha vida com a minha mulher; quando eu estiver de fato
desapegado dela, meu relacionamento com ela pode mudar. Ela poderá estar
apegada a mim e eu desapegado dela, bem como de qualquer outra mulher. Vocês
compreendem? Não é que eu me desapegue dela e me una a outra mulher; isso é
tolice. E o que farei então? Não vou fugir das consequências de estar totalmente
livre de todo apego, vou investigar. Não sei o que é o amor, mas vejo com muita
clareza, com nitidez, sem nenhuma dúvida, que o apego a uma pessoa significa
medo, ansiedade, ciúme, possessividade e assim por diante. Eis por que pergunto
a mim mesmo como fazer para me libertar do apego. Não se trata de um método.
Quero me livrar disso, mas realmente não sei como fazê-lo. Estou travando um
diálogo comigo mesmo.
Começo então a investigar. E fico
preso a um sistema. Fico preso a algum guru que diz: “Vou ajudá-lo a ser
desapegado; faça isso e aquilo; pratique isto e isto.” Quero me livrar do apego
e aceito o que aquele homem tolo me diz porque percebo a importância de ser
livre e ele me promete que, se fizer aquilo, serei recompensado. E quero ficar
livre a fim de conseguir essa
recompensa. Vocês compreendem? Estou em busca de uma recompensa. E então vejo
como sou tolo: quero ser livre e me apego à recompensa.
Eu represento o resto da
humanidade - estou falando sério – e, porque estou tendo um diálogo comigo
mesmo, estou chorando. É uma paixão para mim.
Não quero ser apegado, mas
percebo que estou começando a me apegar a uma ideia. Ou seja: tenho de ser
livre e o livro ou ideia de alguém diz “Faça isso e você terá aquilo”. Então, a
recompensa passa a ser meu apego. E eu digo: “Olha só o que eu fiz. Tome
cuidado, não caia nessa armadilha. Seja uma mulher ou uma ideia, ainda se trata
de apego.” Aprendi que trocar o apego por outra coisa ainda é apego. Logo,
agora eu estou muito atento. E digo a mim mesmo: “Haverá um caminho, ou o que
devo fazer para me libertar do apego? Qual o meu propósito? Por que quero ficar
livre do apego? Por ele ser doloroso? Por ter o desejo de alcançar um estado em
que não haja apego, não haja medo e assim por diante?” Queiram, por favor, me
acompanhar, porque estou representando vocês. Qual o meu propósito ao querer
ser livre? De súbito, dou-me conta de que um propósito determina uma direção e
que essa direção vai ditar a minha liberdade. Por que tenho um propósito? O que
é um propósito? Um propósito é um movimento, a esperança de conseguir algo.
Logo, meu propósito é o meu apego. O propósito tornou-se o meu apego; não só a
mulher, a ideia de uma meta, como também o meu propósito: tenho de ter aquilo.
Logo, estou sempre funcionando no campo do apego. Estou apegado à mulher, ao
futuro e ao propósito. E digo: “Ó meu Deus, que coisa complexa! Não me dei conta
de que ser livre do apego tivesse todas essas implicações!”.
Ora, vejo tudo claro como um mapa: as cidades,
as estradas vicinais, as estrada principais. E digo a mim mesmo: “É possível
ficar livre do meu propósito, ao qual estou apegado, ficar livre da mulher á
qual tenho grande apego, bem como da recompensa que penso que vou ter quando
conseguir ser livre? Porque estou apegado a tudo isso? Será que eu não me
basto? Será que sou extremamente solitário e quero escapar dessa extraordinária
sensação de isolamento e, portanto, me apego a alguma coisa – a um homem, a uma
mulher, a uma ideia, a um propósito? Será que sou solitário, e estou fugindo
dessa sensação de extraordinário isolamento por meio do apego a outra pessoa?”
Logo, não estou interessado em nenhum
apego. Tenho interesse em compreender por que sou solitário, fato que me torna
apegado. Sou solitário, essa solidão me obrigou a fugir por meio do apego a
alguém ou a alguma coisa. Enquanto eu estiver solitário, essa é a sequência.
Por isso, tenho de investigar por que sou solitário. O que significa ser
solitário? Como isso acontece? A solidão é instintiva, inata, hereditária, ou o
que a produz é a minha atividade diária?
Questiono por que não aceito nada.
Não aceito que a solidão seja uma coisa instintiva e que eu nada posso fazer
com relação a isso. Não aceito que ela seja hereditária e que, portanto, a
culpa não seja minha. Como não aceito nada dessas coisas, pergunto: “Por que
existe essa solidão?” Pergunto e fico com a pergunta, sem tentar descobrir uma
resposta. Perguntei a mim mesmo qual a origem dessa solidão; e estou
observando. Não estou tentando descobrir uma resposta intelectual; não estou
tentando dizer à solidão o que ela deve fazer ou o que ela é. Eu a observo
atentamente para que ela me diga.
Tem de haver uma observação
atenta para que a solidão se revele. Ela não vai se revelar se eu fugir, se
ficar assustado, se eu lhe resistir. Por isso eu a observo atentamente. Eu a
observo de modo que nenhum pensamento interfira, porque isso é mais importante
do que a entrada do pensamento em cena. Toda a minha energia está voltada para
a observação dessa solidão; logo, o pensamento não entra em cena em momento
algum. A mente está sendo desafiada e ela deve responder. Quando se é
desafiado, surge uma crise. Numa crise, tem-se toda a energia, e esta permanece
se não houver interferência. Trata-se de um desafio ao qual tem de ser dada uma
resposta.
Q: Como podemos manter
essa energia? Como fazer alguma coisa com relação a ela?
K: Ela apareceu. O
senhor não entendeu coisa alguma.
Veja bem, comecei por um diálogo
comigo mesmo. Perguntei: “ O que é essa coisa estranha chamada amor?” Todos
falam sobre ele e escrevem a seu respeito; há poemas românticos, quadros e tudo
o mais, o sexo e toda a confusão concomitante. E eu pergunto se tenho isso a
que se dá o nome de amor, se existe amor. Vejo que não existe amor quando há
ciúme, ódio, medo. Logo, não trato mais do amor; trato do “que existe”, ou
seja, do meu medo, do meu apego e do motivo pelo qual estou apegado. Eu disse
que talvez uma das razões, e não a razão, seja o fato de eu ser solitário,
desesperadamente solitário. Quanto mais velho fico, tanto maior meu isolamento.
Assim, eu observo. É um desafio de descoberta e, por ser isso um desafio, toda
a energia está presente para responder. É uma coisa simples, não? Quando há uma
morte na família, estamos diante de um desafio. Se há um acidente, uma
catástrofe, estamos diante de um desafio e dispomos de energia para
enfrentá-lo. Ninguém se pergunta: “Onde se consegue essa energia?” Quando sua
casa está em chamas, o senhor tem energia para se mover. Tem uma energia
extraordinária. Não se senta e diz “Bem, tenho de conseguir essa energia”, e
fica esperando. Se o fizer, a casa inteira vai ser destruída pelo fogo.
Logo, há uma tremenda energia
para responder à pergunta sobre o motivo da existência dessa solidão. Rejeitei
ideias, suposições ou teorias de hereditariedade ou instinto. Todas essas
coisas nada significam para mim. Interesso-me pelo “que existe”. Então, por que
sou solitário – não eu -, por que existe essa solidão pela qual todo ser
humano, se tiver alguma percepção, passa, superficial ou bem profundamente? Por
que isso vem a existir? Será que a mente faz alguma coisa que gera a solidão?
Vocês compreendem? Tendo rejeitado teorias, instintos, hereditariedade, estou
perguntando se a mente gera isso.
Estará a mente criando isso?
Solidão significa isolamento total. Estará a mente, o cérebro, criando isso? A
mente é, em parte, o movimento do pensamento. Estará o pensamento criando isso?
Estará o pensamento, na vida diária, criando, gerando essa sensação de
isolamento? Estarei me isolando por que quero ser melhor no escritório,
tornar-me o principal executivo – ou o bispo ou o papa? O pensamento está
agindo o tempo todo isolando a si mesmo. Vocês o estão observando atentamente?
Q: Creio que ele se
isola tanto mais quanto mais estiver abarrotado.
K: Concordo.
Q: Como uma reação.
K: Sim, correto, senhor,
correto. Quero falar disso. Vejo que o pensamento, a mente, está o tempo todo
fazendo coisas para se tornar superior, maior, empenhando-se nesse isolamento.
O problema então é: Por que o pensamento faz
isso? Será da natureza do pensamento trabalhar em seu próprio benefício? Será
da natureza do pensamento criar esse isolamento? Será a sociedade que cria esse
isolamento? Será que a educação cria esse isolamento? A educação de fato
ocasiona esse isolamento; ela nos prepara para uma carreira especializada.
Descobri que o pensamento é a resposta do passado na forma de conhecimento,
experiência e memória e por isso sei que o pensamento é limitado, que nos
prende ao tempo. Assim, o pensamento está criando isso. Logo, a minha
preocupação passa a ser de saber por que o pensamento faz isso. Será da sua
natureza fazê-lo?
***

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